O Barrense


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Meu amigo gorila

78 Vocês devem estar se perguntando qual o sentido dessa imagem, não é?! Bem, não têm. Ou você já presenciou esse curioso e nada rotineiro “cliente”, naquele seu restaurante favorito, na mesa de canto que você torce para não estar ocupada ao final do dia, trajando uma camisa polo da Lacoste, e acompanhado? Imaginei que não. Sabe o que é? Nada mais natural que levar seu melhor amigo para jantar. Desfrutar duma agradabilíssima companhia. E aqui se encaixa o gorila – se houver algum cão lendo isso, sinto lhe informar, mas não é apenas você o “melhor amigo do homem”. Ele não é humano. Tá, eu sei, é óbvio. Então, justamente por não ser humano as chances dele te frustrar são minimas. Posso afirmar: ele não vai te desapontar. Com o tempo você até esquece das relações humanas. Dica: mantenha “amigos” humanos ou você acabará num manicômio, conversar com animais não é completamente aceito pela sociedade moderna, a não ser quando você está sozinho com seu amigo-animal. A grande desvantagem é que você sempre pagará a conta. Mas você  já se perguntou quanto desembolsaria por uma relação sem inveja e egoísmo? Não tem preço, nesse caso, o jantar e o táxi para o zoológico.

Não sei como você tem andado, espero que com os pés, e de olhos bem abertos pra perceber como as coisas saíram dos eixos. Os humanos estão confundindo tudo. Jogaram os sentimentos num cesto de roupa suja e deixaram lá. Num canto. Como se fosse sem importância. E aqui retornamos ao gorila. Animais em geral costumam ser ótimos confidentes – a não ser gatos, eles não dão a mínima pra você, são humanos de quatro patas. Guardam segredo como ninguém – um papagaio talvez não. NÃO SÃO INTERESSEIROS. E retribuem afeto em dobro, sem cobrar nada em troca. Tua grande preocupação será o veterinário, a não ser que você seja um, esse será o único intruso na relação de vocês. Na verdade duas: a perda. Não, não envolve traição. Esqueci de avisar: eles são fiéis. Morreriam por você. Bem, a questão é que eles não são eternos. Os cães, por exemplo, nos deixam mais cedo do que deviam. Vê-los partir é do curso natural da vida. Lidar com a perda não será fácil. A dor será tua companhia em cada recordação. Esse vazio não será preenchido. Nunca. Será morada de boas lembranças. Uma casinha que você sempre poderá visitar. Ficar o tempo que quiser e ter a certeza que amizades não morrem. São eternizadas em nós.

Leve seu amigo pra jantar, mesmo que ele seja um gorila e contrarie as normas sociais.


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Mini Mundo: “Adultecer”

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Entre todos os componentes básicos da infância o que me causa maior apreço é a inocência. A inocência de acreditar em nossos sonhos. De acreditar nas promessas de nossos pais em que eles viverão até os duzentos anos. Que o mundo é realmente acolhedor e propiciará o melhor para nossas vidas. Somos inocentes até a primeira queda. Até nos depararmos com a vida: nua e crua. Sem filtros. A realidade e toda sua frieza. Este mundo para qual não fomos treinados – e há treino?

Lembro como se fosse ontem, devia ter em torno de sete anos, ainda impressionado com o mundo ao meu redor, e nutria uma possibilidade comigo: ganhar na loteria. Não me perguntem o porquê desse sentimento habitar a cabeça dum menino de sete anos, é realmente desolador – criança alguma devia se preocupar com dinheiro. “Um porco capitalista”, diriam os socialistas. Quase. O surpreendente é que minha maior duvida seria como dividir igualitariamente o dinheiro entre minha família. E entenda família por: pai, mãe, irmão, avós, tios, tias, primos. Você não imagina o quanto isso me perturbou. Não havia quantidade no mundo que me agradasse. Aquela quantia faraônica parecia interminável quando destinada a um vencedor, mas, quando fracionada, não passavam de grãos de areia. Minha preocupação era com minha família. Era OBRIGAÇÃO minha dividir aquela soma com todos, em partes iguais. E, ao compartilhar deste dever com adultos, eles diziam:

– Porque dividir? Eles que façam por merecer.

E há lógica: não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar.

Que façam. O trabalho dignifica a alma, disse o poeta. Mas porque soterrar esse sentimento nobre da “pobre” criança? De compartilhar e compreender que não é nada sozinha. Que família é a base de tudo e diz muito do que você é. Que ser feliz independe de dinheiro e suas quantias mirabolantes.

Na época o pequeno Eduardo não compreendia porque não devia dividir o prêmio da loteria com seus familiares. Na cabeça dele parecia tão natural ajudar seus familiares, mais do que isso, era seu desejo. Era, no passado.

Hoje entendo o que os adultos queriam dizer com “eles que façam por merecer”.  E me sinto imundo por entender e aceitar esse conceito. Cresci e perdi a inocência de acreditar nas pessoas e num mundo melhor. Me tornei egoísta e mesquinho, apenas desejo que meu dia termine bem. Se dividiria o prêmio da loteria com todos os meus familiares? Não. Não dividiria. E você não imagina o quanto isso dói. O quanto me odeio ao ver o que me tornei.

“Adultecer” é perigoso e nada desejável.

(Espero que aquele menino solidário tenha se perdido por um breve período de tempo. Espero que ele encontre o caminho e assuma o lugar de protagonista na minha vida. Espero)


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Preconceito e julgamento

preconceito

[Uma terça-feira qualquer, num horário qualquer, numa venda qualquer, em uma sociedade peculiar]

– Sabe, não sou adepto de cerveja artesanal.
– O senhor já provou?
– Ainda não.
– Julgando sem ao menos tomar – literalmente hehe – conhecimento do produto?!
– É que me parece uma coisa gourmet, sabe?
– Gourmet?
– É!
– ???
– Cara, são estabelecimentos que se julgam requintados. Muitas vezes acompanhado de um primeiro nome terminado em “ria” de forma inapropriada – como brigaderia ou tapiocaria.
– Hum. Entendo. Dia desses vi uma pastelaria, o slogan dizia: O pastel divino, pelas mãos do Chef Celestino.
– É isso. Gourmet. E pastel é da cultura popular, não será um Chef que irá mudar isso.
– Claro, claro. No fim as pessoas precisam achar outras formas de identidade para se sentirem “exclusivas” ou para se diferenciarem em relação às demais.
– Tirou as palavras da minha boca…
– Mas voltando a cerveja… Não entenda cerveja artesanal como escanteio curto, coração aberto e amor platônico, uma coisa de gourmet. Cerveja artesanal é uma arte. Além do mais, você nunca a degustou e já está criando uma ideia completamente equivocada da cerveja.
– Eu sei, eu sei, mas tudo depõe contra ela: Arte? Degustar? Que papo é esse.
– É. Uma obra de arte. Nosso slogan: beba menos, beba com qualidade.
– Hum, sei. Agora cerveja é arte? Qual a diferença pra essas de mercado? Além do preço é claro…
– Não se compara. Nós respeitamos e prezamos pela lei de pureza alemã.
– Lei de pureza alemã? Vocês usam virgens na produção da cerveja?
– Virgens?! Cara…
– Prossiga, prossiga…
– A lei de pureza alemã consiste em conceber a cerveja apenas com: água, lúpulo, cevada e fermento. E nada mais.
– Tá, e o que tanto diferencia ela?
– Pois bem, a cerveja produzida no Brasil é uma verdadeira afronta ao rito milenar de “fabricar” cerveja. Passa-se longa da lei de pureza. Pra você ter ideia, a proporção de milho e cevada se equiparam.
– Milho?
– Sim! Milho.
– Caramba. Tô me sentindo uma galinha.
– Hehehe, por pouco tempo.
– Como assim?
– Cerveja artesanal, cara. Lei de pureza.
– Aaaaaaaaaaah.
– Só um momento que vou pegar uma pra você provar.

[pensa: – qual cerveja eu levo pra ele provar? Uma weizen? Não, não, o trigo pode assustar. Ale? O baque seria forte demais. Pilsen? Mais do mesmo? Não, claro que não. Hum, se for pra ingressar no cenário de cerveja artesanal, que seja com classe: Red Ale.]

– Senhor, vos apresento: Red Ale.
– Cerveja escura?
– Sim, algum problema?
– Cara, não me leve a mal, mas todo aquele discurso pra isso?
– Isso?
– Praticamente uma Malzbier com nome refinado.
– Pré-conceito é teu sobrenome? Tenha santa paciência.
– Tá bom, tá bom.

[pega o abridor de garrafa e o copo especifico para esse tipo de cerveja]

– Abre logo!
– Além de preconceituoso é afobado?
– É o calor do momento.

[finalmente abre a garrafa… serve no copo, a espuma sobe. Gut, gut]

– Então?
– Diria Silvio Luiz: “pelo amor dos meus filhinhos”. Isso é o néctar dos Deuses?
– Quase…
– Cara, jamais provei algo parecido. A sensação é, é…
– Divina!
– Divina! Falta-me o ar. Não sinto o chão sob meus pés. Eis que brota um vazio existencial em meu peito, o que foi a vida antes disso? Como passei vinte e cinco anos da minha vida sem isso? Hoje foi um divisor de águas: o pré e o pós-cerveja artesanal.

[pausa para outro gole: gut, gut, gut]

– Cara, sou eternamente grato.
– Pelo que?
– Por me apresentar a cerveja artesanal.
– Ah, não tem de que. É só o meu trabalho.
– Que trabalho, que trabalho.

[o ultimo e derradeiro gole, longo para apreciar essa incomparável iguaria: guuuuuuuut]

Não falou mais nada. Não era preciso. O brilho cristalino em seus olhos revelava uma mescla de sentimentos puros: ternura, alivio, paixão. Entregou-se ao novo. Aprendera uma lição: não mais julgaria.

Havia refinado algo mais sublime que seu paladar, a alma.


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TPM day

tpm

– Amor, você nunca se declara pra mim.
– Mas amor… pra que? Você sabe que meu mundo é você.
– Amor, o mundo é o planeta e ele é redondo… ta me chamando de gorda?
– Nunca! Ta bom amor, verdade, então meu mundo não é você.
– Você ta dizendo que não sou nada pra você?
– Não amor, estou dizendo que te amo sim, muito.
– Você ta dizendo isso por que eu pedi…
– O que eu posso fazer então pra provar meu amor?
– Quer dizer que você precisa provar que me ama? Que decepção.
– Não amor, não disse isso, não quero que se chateie, mas creio que queira uma demonstração de amor, pelo menos é o que eu entendi.
– Bom… mas essa demonstração é verdadeira ou só porque você não quer me chatear?
– Olha… vamos fazer assim então, não falamos mais nada senão isso vai acabar virando uma discussão, ok?
– Você ta dizendo que ta quase brigando comigo? É isso?
– Não amor, to dizendo que essa conversa esta chegando num nível estressante.
– É assim né? Eu peço pra você se declarar pra mim e tudo que ouço é que sou gorda, que não sou nada pra você, e agora ta dizendo que eu te estresso e você ainda briga comigo. Homens são todos iguais mesmo, e eu perco meu tempo achando que você poderia ser diferente!


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Divagações de um casal na praia: sinceridade e cumplicidade

O casal caminha despretensiosamente pelas fofas areias de uma praia paradisíaca qualquer, quando… Uma estonteante e linda mulher caminha de encontro a eles.

– Tu esta vendo aquilo ali? – pergunta ele.
– O que?
– Como assim “o que”? Me desculpa, mas não tem como não olhar.
– Safado!
– Tô sendo sincero contigo. Não é isso que tu sempre diz que devemos manter? A sinceridade e cumplicidade entre nos?
– Bem…
– Amor!, olha aquilo! Não tem como não olhar, me desculpa.

A bela moça passa.

Eis que…

– Amor, tu tá vendo o que estou vendo? – diz ela com tom de voz sarcástico.
– Prefiro fechar os olhos…
– Me desculpe, mas como você disse: sinceridade e cumplicidade.
– Sei, sei.
– Nossa, que pedaço de mau caminho. Moreno alto, bonito e sensual.
– Apepeô, tá passando dos limites.
– Tô praticando a sinceridade.

O moreno passa.

– Amor, sabe que vir a praia fortalece nossa relação.
– Hum, porque?
– Bem, vislumbramos lindos corpos e mesmo assim nosso amor segue inabalável. O corpo é apenas a casca, um invólucro, a embalagem do bom-bom, bem trabalhado, tenho que admitir, mas o interior é mais importante. E isso é o mais belo na nossa relação: nosso recheio.
– Amamos um ao outro pelo que verdadeiramente somos.
– Isso!
– Sabe, devemos vir mais a praia.
– Concordo!


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Ota e Fu, as formigas sul-americanas

Duas formigas sul-americanas conversam…

– Cara, o que você tá fazendo parado no meio da manifestação?
– O mesmo que tu!
– Não entendi.
– Apenas observando.
– Hum… Sei. Mas me conta, o que tu estas achando das manifestações?
– Complicado. Uma parcela diz que os Gafanhotos sabem do nosso vasto manancial de trigo e o querem tirar proveito dele. O restante diz que estamos em uma ditadura. Que vivemos sob constante repressão e sem liberdade alguma. Ainda não me posicionei. É preciso estar a par dos fatos…
– Exato. Os gafanhotos do norte dizem que não vivemos uma democracia, será que estão corretos?
– Aí que mora a questão. No bico do lápis, sim, vivemos em uma democracia. Mas algumas questões deixam a desejar.
– Verdade. E os interesses dos gafanhotos?
– Outro ponto a ponderar. Dizem que eles odeiam nosso atual modelo de sociedade. Querem extermina-lo. E impor o deles. E só assim seremos realmente livres.
– Já ouvi falar. A filosofia deles é inversamente proporcional a nossa. Dois mundos distintos.
– Isso mesmo.
– Se pudéssemos unir o bom de cada um…
– Seria bom demais pra ser verdade.
– Pois é, nenhum dá o braço a torcer. Uma eterna queda de braço. Os gafanhotos acreditam piamente em seu modelo. E quanto a nós, formigas, sequer criticamos o nosso, apenas trabalhamos para suprir as demandas do rigoroso inverno.
– Bom mesmo é a vida da cigarra, sem bandeira, patriotismo e trabalho só para se manter. Na próxima encarnação quero ser uma cigarra.
– Cara, encarnação? Você não é formiguez?
– É… Não!
– Nunca tinha conhecido uma formiga cigarriana. Diferente…
– Pois é, hehe, tem louco pra tudo, né?!
– Ô se tem… Caramba!, perdi a noção do tempo. Terminou meu intervalo de almoço. Tenho que ir ou meu chefe reduz meu açúcar mensal.
– O tempo passou voando. Também vou nessa. Prazer, Fu.
– O prazer foi todo meu, Ota.


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O que o inferno de Dante reserva aos corruptos?

A genial obra do escritor Dante Alighieri, a divina comédia humana, revela a expiação que afligirá uma série de pecadores. Veja qual flagelo caberá aos corruptos.

Em sua obra a “Divina Comédia”,  o escritor italiano Dante Alighieri modificou o pensamento humano  e alterou, de sobremaneira,  a cultura cristã moderna. E suas descrições acerca do ‘inferno” e do “céu” dominam o inconsciente coletivo da maior parte das pessoas.

Com as alegorias literárias deste gênio pudemos visualizar um cenário nebuloso e temido: o inferno. A própria noção de que o inferno é cheio de fogo e piche ardente vem da mente deste brilhante escritor. E sua obra ficou mais popularmente conhecida como o “inferno de Dante”.

Em linhas gerais, “A Divina Comédia” descreve uma viagem de Dante através do inferno, purgatório e paraíso. Sem nos esterdemos muito, e não é este o objetivo do ensaio, o inferno está dividido em nove ciclos; que por sua vez estão dividos em fossos.

Cada ciclo e seus fossos correspondentes são destinados a um tipo de pecado específico e com uma forma diferente de expiaçao (puniçao da culpa).  Assim, da leitura desta obra percebe-se que o ciclo destinado aos corruptos é o oitavo.

Neste, o Inferno chama-se Malebolge (fraude) e é descrito como sendo todo em pedra da cor do erro, assim como a muralha que o cerca. Aqui estão os fraudulentos. O Malebolge, por sua vez,  está dividido em dez fossos(ou Bolgias).

O Quinto Fosso é o local destinado àqueles que desviaram o dinheiro público deixando às populações sem atendimento médico, merenda escolar e saneamento básico, dentre outros. É a Vala dos corruptos. Nela os corruptos estão submergidos em um piche fervente; os que tentam ficar com a cabeça acima do caldo são atingidos por flechas atiradas por demônios.

Em vida, os corruptos tiraram proveito da confiança que a sociedade depositava neles; no inferno estão submersos em caldos, escondidos, pois suas negociações eram feitas às escondidas. Um ótima perspectiva para àqueles que assassinaram gerações com seus atos ímprobos.

A vida e obra de Dante Alighieri

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Dante nasceu em Florença em 1º de junho de 1265 e faleceu em Rávena no dia 14 de setembro de 1321. Foi um  escritor, poeta e político italiano. Sendo considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana, definido como il sommo poeta (“o sumo poeta”).

As crenças populares cristãs adaptaram muito do conceito de Dante sobre o inferno, o purgatório e o paraíso, como por exemplo o fato de cada pecado merecer uma punição distinta no inferno.

O poema chama-se “Comédia” não por ser engraçado mas porque termina bem (no Paraíso). Era esse o sentido original da palavra Comédia, em contraste com a Tragédia, que terminava, em princípio, mal para os personagens.


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Mini Mundo: Sonhos não sonhados

Minu Mundo coluna

O menino que em outrora nos habitava, cultivando sonhos, passa a residir em algum lugar remoto, inacessível. Um cemitério de sonhos, inóspito, onde o coveiro – menino – segue sua rotina, na esperança de não mais enterra-los, mas vive-los, e finalmente fechar os portões deste local que o atormenta.

Em algum receptáculo oculto o destino guarda algo bom para você. A esteira de sonhos segue em sua rotina. Mas, de alguma maneira inexplicável, este não foi um sonho sonhado. Talvez ocorreu-me um lapso onírico e não pude idealizar este evento surpreendente.

Certas vivencias nos brindam quando ultrapassam a fronteira entre o real e o imaginário. Semelhante ao peixe que habita o vasto e profundo oceano, mas, em raros momentos de beleza inigualável, salta, abandonando seu habitat, e refrescando-se, mesmo que efemeramente, com a brisa marítima. Assim são os sonhos. Peixes habitando um imensurável oceano, e, em oportunidades especificas, se desvinculam do manto quimérico e são fisgados para o barco da realidade.

Um dos caminhos mais eficazes para a frustração é criar expectativas. É da natureza humana esperar que algo muito desejado aconteça rapidamente.
E, quando vivemos de modo inconsciente, não conseguimos perceber este jogo que nos leva sempre a esperar pela realização urgente de nossas esperanças e a sentir uma grande decepção quando elas não se concretizam.

O encanto de sofrer este lapso onírico e não ter expectativa alguma em relação ao póstero tem como resultante ser agradavelmente surpreendido. Deixo-me embalar pelo acaso. Seu frescor acariciando meu rosto sem responsabilidade alguma. Minha vara de pesca segue na água, serpenteando entre peixes, vacilando nas vagas.

Neste mar de sonhos você deve estar se perguntando o que foi que fisguei. Tenha absoluta certeza que jamais esperaria tal espécime. Alias, um cardume. Raríssimo. O mundo como conhecia fora abalroado. Perdi meu norte. Meus polos inverteram. Confesso que fiquei receoso de adentrar neste mundo, ate então desconhecido. Titubeei ao receber o exótico “convite”. Inesperado. Estagiar com deficientes intelectuais.

Fitava os portões do novo mundo. Curioso a respeito de suas peculiaridades. Cético quanto a minha capacidade. Mergulhei em meu âmago e encontrei corajem necessária para aceitar tal proposta. Adentrei nos portões do novo mundo com incerteza no olhar, mas, convicto de que o “eu” de antes ficara nos portões, e, o “eu” de agora, transformado permanentemente, indubitavelmente.

A experiência de estagiar com este publico alvo tornou-se divina. Algo que não me imagino sem no futuro.

Minha isca segue no mar, serpenteando. A procura do inimaginável. O sequer sonhado.


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Apresentado a realidade

A triste realidade que balançou minhas estruturas emocionais. Não se trata de fantasia. Sem era uma vez e impossível ou improvável final feliz.
Por ironia do destino, este historia teve inicio em lugar incomum: Faculdade privada, mas com projeto social. Ou seja, polarização das atuais sociedades brasileiras. Enquanto parcela minoritária da sociedade esbanja poderio econômico, outros catam migalhas publicas. Completo descaso da união para com seu povo. Ambos representando a desigualdade social abismal que estamos inseridos.

Sem mais rodeios…

Eu e mais três colegas tínhamos de realizar um trabalho voltado a projetos sociais. Por preguiça ou algo semelhante, fomos na própria universidade. Mal sabíamos, mas ali, pelo menos eu, fui apresentado à realidade, nua e crua.
Realizamos conversa informal e descontraída com alunos para saber o que almejavam. O que esperavam do seu futuro. Respostas mais do que conhecidas, como: jogador de futebol; astronauta; bombeiro; medico; atriz; modelo. Uma fugiu da normalidade, nos fulminou. Acertou em cheio nosso microuniverso capitalista. Um menino, com idade girando em torno de onze anos nos relatou:

– Meu sonho é ter um cavalo, carroça e catar latinhas. Onde moro quem os tem é rico. – disse ele, sem pestanejar.

Acusamos o golpe. O silencio se impôs.

– Mas você não quer ser igual seus coleguinhas? – Rebatemos.

– Não adianta tio! Nunca ninguém foi isso na comunidade. – concluiu.

O garoto pôs fim a efêmera conversa. Um cruzado nos fez beijar a lona.

Não estou julgando o valor moral da profissão. Mas o sonho de uma criança. Preocupada com seu futuro e o que deseja ser “quando crescer”. O pequenino na contramão da constituição infantil: Crianças não devem se preocupar.
Crianças simplesmente vivem a plenitude da vida. Deveriam desbravar sua imaginação fértil, brincar, correr. Ter direito a ensino de qualidade, segurança onipresente e sistema de saúde qualificado e de fácil acesso.
Em algum momento nos perdemos. Estes direitos lhes são negados. Crianças tornam-se homens, país de família prematuramente. Meninas tornam-se mães em piscar de olhos.

***

O poema abaixo retrata o quão bela era nossa infância, ou deveria ser. Momento nostálgico:

Saudade de:

Quando meu único medo era o escuro

Minha unica preocupação meu brinquedo quebrado

Minha unica dor era do joelho ralado

O destino nos prega peças. Um pequenino carregando fardo além de sua capacidade. Adulto em pele de criança. Ele sabe que o futuro o espreita, sordidamente. Tramando contra si algo maléfico. Ele acostumasse um pouco mais a esta realidade – é claro que nunca poderia acostumasse inteiramente. O tempo passa e nada muda o encontro é  inevitável.

***

Nenhuma criança deve sofrer com síndrome do adulto: preocupação. Especialização precoce é pular etapas.O menino sofria desta precoce “adultice”, triste realidade. Ele não tinha expectativas de estudar, sair do seu mundo. Ali era seu mundo. A comunidade. Seu microuniverso as margens da sociedade. Um cavalo esta para o menino como um carro esta para o burguês em miniatura.

A disparidade colossal entre classes é visível a olho nu. Mas carece de olhar especifico. A realidade do mundo exterior vista por todos, sem vendas, causa transtorno em nosso âmago.

Esta a realidade humana. De maneira alguma desumana, pois este ser provido de inteligência, superior aos demais, construiu sua ruína. Criamos nosso monstro e não podemos lamentar se ele derrubar alguns prédios. Nosso Frankenstein, nosso Godzilla, repleto de idiossincrasias capitalistas.

Abri meus olhos a uma realidade diferente. Sem cor. Sem final feliz. Um paraíso as avessas.

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Anjo ou demônio?

Trecho de noticia do dia 07 de abril, um pacato domingo:

“Doze civis morreram no sábado, durante um ataque aéreo das forças comandadas pelos americanos numa aldeia do distrito de Shigal, província de Kunar, junto à fronteira com o Paquistão. Segundo a Reuters, os mortos são 11 crianças e uma mulher. Seis outras mulheres ficaram feridas.”

Estarrecedor, não?

Há quem afirme que Obama é um anjo, salvador da classe oprimida, obviamente cidadãos americanos, porém, do outro lado do globo, julgam-no como demônio, carrasco entre outras denominações.

Em passado recente, o Presidente da super potencia norte americana, Barack Obama, chorou ao receber a notícia do massacre na cidade de Newtown, em Connecticut, quando um jovem norte-americano, Adam Lanza, de 20 anos, matou 26 pessoas em uma escola primária, sendo 20 crianças de 6 e 7 anos, além de sua mãe, morta minutos antes da chacina na própria casa.
Na televisão, em cadeia nacional, Barack Obama verteu lágrimas como um verdadeiro crocodilo. Como é possível chorar pelas 20 crianças covardemente assassinadas em Connecticut e ao mesmo tempo ordenar a chacina de milhares de crianças no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Líbia, Palestina, Síria, entre outros países?

Nenhuma dos milhares de vítimas inocentes das guerras promovidas pelos EUA mereceu uma gota de lágrima do atual mandatário estadunidense ou de seus antecessores. O processo de relativização da vida humana segue a passos largos.

Moazzam Begg, ex-detento de Guantánamo e porta-voz Cageprisoners (Oganização cujo objetivo é ajudar os detidos ou mortos ilegalmente como parte da guerra global ao terror.) manifestou sua opinião em relação a Obama:

– Mudança de Bush para Obama? A mudança é de detenções extrajudiciais para mortes extrajudiciais. Obama prometeu transformar a América. Elas estão acontecendo. Mortes extrajudiciais – disse Moazzam.

Realmente é terrível essa guerra “clean” dos drones estadunidenses, “clean” e cínica, pois classifica essas crianças mortas de “danos colaterais.”.

A “fonte” de tanto ódio é conhecida por todos. O famoso “mundo árabe”. Lar de “terroristas”. Ao utilizarmos o termo “mundo árabe”, rotulamos e definimos a existência de dois mundos, o nosso e o deles. E o que acontece lá, no deles, não nos importa tanto. Como se fossem menos humanos.
Dentro desse “mundo árabe” nós tendemos a colocar não só os povos árabes, mas todos os persas, os afegãos e muitos outros povos. Povoamos também esse mundo com todos os muçulmanos do planeta.
Acredito que essas divisões artificiais como mundo árabe ou a dicotomia entre oriente e ocidente só sirvam para aumentar nossos preconceitos e nossa ignorância sobre a complexidade enorme de povos, religiões e culturas.
E assim, jogando todos num mundo diferente, fica bem mais fácil de bombardeá-los.

“Os inocentes mortos no Iêmen – ou no Afeganistão, ou no Iraque – têm escasso valor, quando comparados aos inocentes mortos no Ocidente. São vítimas invisíveis, ignoradas no mundo — choradas apenas num canto que para nós, ocidentais, não é nada.” Paulo Nogueira.

Em 2001, quando Obama nem sonhava em ser presidente dos EUA, o jornalista e escritor Werneck de Castro, da Folha de São Paulo, desvendava o mistério opinando: “Conflitos constantes são necessários, periodicamente, para alimentar o rendoso “business” das armas e testar as inovações tecnológicas na arte do extermínio em massa”. Este sim, é o verdadeiro nó da questão, não as lágrimas do presidente. Neste caso, o tiro está saindo literalmente pela culatra, com a ‘criatura’ se voltando contra seu próprio criador (Exemplos: massacre em Connecticut e atentado em Boston).

E pensar que Barack Obama, o homem que há menos de um ano conduz os destinos da superpotência Estados Unidos, é agraciado com o Prêmio Nobel da Paz logo no seu primeiro ano de mandato.

Obama, Obama. Você será reconhecido por anjo da morte? O mercador de almas?