O Barrense


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Mini Mundo: “Adultecer”

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Entre todos os componentes básicos da infância o que me causa maior apreço é a inocência. A inocência de acreditar em nossos sonhos. De acreditar nas promessas de nossos pais em que eles viverão até os duzentos anos. Que o mundo é realmente acolhedor e propiciará o melhor para nossas vidas. Somos inocentes até a primeira queda. Até nos depararmos com a vida: nua e crua. Sem filtros. A realidade e toda sua frieza. Este mundo para qual não fomos treinados – e há treino?

Lembro como se fosse ontem, devia ter em torno de sete anos, ainda impressionado com o mundo ao meu redor, e nutria uma possibilidade comigo: ganhar na loteria. Não me perguntem o porquê desse sentimento habitar a cabeça dum menino de sete anos, é realmente desolador – criança alguma devia se preocupar com dinheiro. “Um porco capitalista”, diriam os socialistas. Quase. O surpreendente é que minha maior duvida seria como dividir igualitariamente o dinheiro entre minha família. E entenda família por: pai, mãe, irmão, avós, tios, tias, primos. Você não imagina o quanto isso me perturbou. Não havia quantidade no mundo que me agradasse. Aquela quantia faraônica parecia interminável quando destinada a um vencedor, mas, quando fracionada, não passavam de grãos de areia. Minha preocupação era com minha família. Era OBRIGAÇÃO minha dividir aquela soma com todos, em partes iguais. E, ao compartilhar deste dever com adultos, eles diziam:

– Porque dividir? Eles que façam por merecer.

E há lógica: não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar.

Que façam. O trabalho dignifica a alma, disse o poeta. Mas porque soterrar esse sentimento nobre da “pobre” criança? De compartilhar e compreender que não é nada sozinha. Que família é a base de tudo e diz muito do que você é. Que ser feliz independe de dinheiro e suas quantias mirabolantes.

Na época o pequeno Eduardo não compreendia porque não devia dividir o prêmio da loteria com seus familiares. Na cabeça dele parecia tão natural ajudar seus familiares, mais do que isso, era seu desejo. Era, no passado.

Hoje entendo o que os adultos queriam dizer com “eles que façam por merecer”.  E me sinto imundo por entender e aceitar esse conceito. Cresci e perdi a inocência de acreditar nas pessoas e num mundo melhor. Me tornei egoísta e mesquinho, apenas desejo que meu dia termine bem. Se dividiria o prêmio da loteria com todos os meus familiares? Não. Não dividiria. E você não imagina o quanto isso dói. O quanto me odeio ao ver o que me tornei.

“Adultecer” é perigoso e nada desejável.

(Espero que aquele menino solidário tenha se perdido por um breve período de tempo. Espero que ele encontre o caminho e assuma o lugar de protagonista na minha vida. Espero)