O Barrense


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Tina em quatro atos (II): Namorada

– Vamos, vou te mostrar a cidade.
– Imagino que será rápido…
– Prometo que não vai se arrepender. Cidade pequena, mas encantadora.
– Promete?
– Prometo que não terá mau cheiro. (ela morava em Guaíba)
– Ah, é assim, Eduardo?
– Brincadeira.
– …
– Vai ficar emburrada? Anda, vamos. O dia esta lindo.
– Não resisto a teu sorriso. Aceito.

[Caminhamos. Mostro a cidade a ela. Domingo típico de primavera. Clima agradável. Cidade deserta. Desfrutamos cada esquina. O sol acariciando o Lago Guaíba. Dois apaixonados em uma tarde de primavera.]

– Tenho uma ideia!
– Qual?
– Visitar minha tia e avó.
– É sério, então?
– Claro!

[Caminhamos vagarosamente. Mostro a escola onde estudei. As ladeiras que desci. Acelera o passo. Dobra. Segue. Esquina. Mostra. Ali.]

– É aqui, amor!
– Quem é aquela na janela?
– [acenando], parece que ela adivinhou, é a Tina, minha tia.
– Parece simpática.
– Parece?! Espere conhecê-la.
– Que responsabilidade.
– E é! Ela quem vai te aprovar, hehehe…

[Nos aproximamos. Abro o portão. Relampejo com o cão. Ele gruda na minha perna. Encabulado. Chacoalho-o. Desprendo-me do danado. Entramos no pátio. Fecho o portão. Sorrio. Abro a porta.]

– Tina. Olha quem eu trouxe!
– Dudu, não vai me dizer… ah!, que amor.
– Prazer, Lu.
– Que coisa mais amada, Dudu. Prazer, Cristina. Sabe que o Dudu te trouxe aqui para eu aprovar o namoro de vocês, não sabe?
– [Fica vermelha], é!, ele me falou.
– Verdade, amor. Tudo passa pelas mãos da Tina.

[grita: Mãe, o Dudu esta aqui com a namorada. Apressa.]

– Avisei a mãe que vocês estavam vindo. Tu sabes como é tua avó, foi se emperiquitar toda.
– Hahahaha. Não precisava.
– E adianta falar? Ah, aprovado. Que amor vocês dois.
– Viu só, amor?
– Obrigado dona Cristina.
– Dona? Só Tina. Tia Tina.
– Tá bom. Tina.
– A visita é rápida, Tina. Mas de coração. O tempo ‘ruge’ e a Sapucaí é grande!

[Mãe! Mas que coisa… Eles já estão de saída.]

– A vó não tem jeito.
– Tu sabes. Neto trazendo namorada na casa dela…
– Verdade. Minha primeira, e espero que única.

[sorri.]

– Verdade, Dudu. A primeira e que bom gosto.

[ambos se entreolham]

– Bom… Tina, esta na nossa hora. Avise a vó que deixamos um beijão pra ela. Fica para a próxima…
– Beijo, dona…digo, Tina.
– Beijo meus amados. Vão com Deus.

[Viu só mãe. Agora eles já foram.]

– [acenamos], tchau.

[Caminhamos ao portão. Ameaço chutar o cachorro. Corremos. Ofegantes. Fecho portão.]

– Bugiu!
– [me viro], Mão? Mão! [ aceno com a mão pedindo para se aproximar].
– Tô atrasado.
– [pensa: atrasado? para que?]


A vida é como um veleiro. Por vezes, ultrapassa longos períodos de calmaria, até que uma tormenta vem e faz sacolejar mais do que folião descendo as ladeiras de Olinda. Cruza portos distantes sem saber se vai voltar. Nostalgia do que ficou para trás, vontade de buscar o futuro.

Quanto mais se navega, mais coisas se aprende. Tempestades deixam de assustar, embora sempre haverá uma ou outra que gere medo, talvez pavor, sempre receio. O importante é sempre içar velas, sempre velejar. Observar o balé dos peixes, a fúria das ressacas. O misto de medo e beleza, descarregando a tristeza.

Ps.: Sei que há muitos mares para meu barquinho navegar, muitas coisas para ele ver e viver. E no estaleiro da vida, tenho marinheiros para ensinar a navegar ainda. Tenha certeza, você foi um destes marinheiros. Única. Inigualável. Insubstituível. Muito mais do que simples somas, divisões e multiplicações, você me ensinou a tecer e içar minhas velas para a vida. Em quais mares navegar. Quando e onde atracar. A encarar tempestades, por mais apavorantes que sejam, sem rodeios. Compreendo que o seu barquinho atracou, depois de grandes aventuras. Obrigado, comandante.

Ps.: Sigo passando em frente à casa da vó. Falta-me algo. Como que retirado de mim, a contragosto. Meu andar vacila. Paro defronte a janela da sala. Sentidos anuviam. Imagino a velha mesa, repleta de assinaturas, de pernas bambas. Folhas e mais folhas. Duas pessoas ao redor da mesa. Uma aprendendo as duras lições da matemática. A outra repassando a simplicidade dos números. Sua mesa, sua fiel companheira, não esta mais lá. As velhas janelas, que lhe traziam o horizonte, foram substituídas. As paredes seguem as mesmas, mas, de alguma maneira que não sei explicar, estão mais tristonhas. Nitidamente tristes. Perderam o brilho. Confessaram-me que choramingam ao entardecer, aguardando seu retorno. Não tenho coragem de lhes contar a dura e infame realidade. Você nos deixou.

Ps.: Ainda não me formei. Questão de tempo, você sabe…

Com lagrimas nos olhos e o coração apertado: saudades.

Carta encaminhada ao céu.