O Barrense


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Desvendando Eike – Fator sorte

Antes de chegar no “x” da questão, lhes convido a compreender o fator sorte na vida de Eike.

Tudo iniciou no retorno ao “novo mundo”. Porém, um desvio de rota mudaria bruscamente a pacata vida em que Eike estava condenado. Intempérie no aeroporto de Londres o forçou a pousar na Irlanda, mais precisamente, Dublin. O tupiniquim estava entusiasmado, durante sua estada na Europa não conhecera a Irlanda. Afinal, quem reclamaria de dois dias na Irlanda com tudo pago?

Após rodar por pub’s irlandeses e embriagar-se da melhor cerveja europeia, podia-se sentir o gosto da cevada colhida na primavera Bavária, e fermentada em barris de carvalho, a sorte brindou Eike.

Duplamente embriagado a distração abraçou Eike, sem perceber desviou de sua rota, diante da beleza urbana de Dublin e o teor alcoólico que perambulava por sua vias sanguíneas. Flutuando por vias o jovial rapaz despontou em um bosque. Iluminado, arborizado, tipicamente holliwodiano. Algo despertou a atenção de Eike, o trazendo a realidade e quebrando o encantamento. Arbustos balançavam incessantemente, Eike aproximou-se lentamente. Fitou a uma distancia segura e o cutucou com uma vareta.

– Eeeeeei! – disse o arbusto, ou o que quer que esteja dentro do mesmo. Uma voz aguda, que de súbito alfinetou a cabeça alcoólica de Eike.

– Que esta aí? – indagou Eike.

Um “sonoro” silencio pairou no ambiente. Palavras não surgiram, entretanto, algo ainda mais espantoso eclodiu do arbusto: um ser esguio, com vestimenta espalhafatosa, predominantemente verde, orelhas pontudas e um sorriso maligno no rosto. Um típico duende irlandês. Eike estalou os olhos. Estaqueou, mantinha-se pasmo frente ao que lhe parecera. Matutava em sua cabeça se era possível tal acontecimento. Um duende?

(Duendes são pequeninos seres de orelhas pontudas e sorriso esquisito. Gostam muito de brincar e, às vezes, pregam peças nas pessoas. Brincaram com Eike)

– Não esta acreditando? Sou real. – disse o pequenino.

– Nnnnnnão… – as palavras não saiam da tremula boca de Eike.
Novamente o “ensurdecedor” silencio imperou entre ambos. Apenas fitavam-se, feito dois pistoleiros, quem seria o primeiro a sacar a pistola?

– Hehehe… Irlanda, duendes, sorte. Entendi. Bela tentativa, quase me pegou. Marketing de primeira. Boa noite. – disse Eike ao pensar ter desvendado o fatídico causo que presenciara.

– Se assim desejares… Mas saiba que encontraste o final do arco-íris, o pote de ouro. Não deseja a recompensa? – com um sorriso no olhar o duende instigou Eike.

– Tesouro?

– Você conhece a lenda.

– Então, onde esta o pote.

O duende estendeu a mão em direção a Eike, alcançando suas canelas. Eike agachou-se. A embriaguez aliado ao ego altivo bloqueou qualquer percepção de Eike frente ao duende. Havia algo de sombrio na proposta do pequeno ser verde. Nosso conterrâneo não titubeou, ignorou a palpável tensão no ar, aceitou a proposta daquele ser folclórico, e incrivelmente, real.

– Feche os olhos.
Eike os fechou

– Abra sua mão.
Eike a abriu e duas peças caíram em suas mãos. Ao abrir os olhos deparou-se com elas…

– Onde esta o tesouro?

– Em suas mãos.
Novamente Eike analisou o que lhe foi dado. Uma moeda de ouro com um estranho brasão e um trevo de quatro folhas.

– A crise bateu a porta dos duendes? Uma moeda de ouro?

– Será mais útil do que um pote.

– E o trevo?

– A sorte que você precisa… Mas saiba que não será eterno, dentro de algum tempo lhe pedirei de volta, faça bom proveito. – A ironia era nítida no rosto do duende. Sabia o destino de Eike e estava pronto para lhe pregar uma peça.

Momentaneamente Eike não acreditou na baboseira do duende. Guardou o trevo e a moeda na carteira e seguiu seu caminho…
Ao acordar não recordara nada da noite passada. Salvo o encontro entre ele e um duende de voz irritante. Julgou ser um sonho.

Após tomar um reconfortante banho e café, desceu para o saguão do hotel. Puxou sua carteira para passar o cartão na catraca e percebeu que nela havia um trevo de quatro folhas e uma estranha moeda reluzente. Pegou-a e mordeu, era ouro.
Questionou internamente, “então não fora um sonho? Mas duendes?”
Não encontrou resposta plausível a sua indagação.
O dia decorreu como esperado. Nada o surpreendeu. Alias, as horas arrastavam-se em Dublin e, diferente dos demais países europeus, o povo irlandês lhe parecia simpático e acolhedor. Inacreditavelmente não pagou por seu almoço e bebeu gratuitamente no bar da esquina.
O clima desanuviou antes do previsto e Eike deu adeus ao velho continente. Ainda sem encontrar respostas frente ao inusitado encontro da noite anterior.
Inexplicavelmente Eike tomara o vôo errado e destinou-se para Nevada, Las Vegas. Não compreendera como errara o terminal. Comunicou a empresa e a mesma lhe garantiu estadia em Las Vegas, sem custo.

Hospedaram-no em um luxuoso hotel. Quarto estrondosamente grande.
Iniciante em jogos de azar, Eike foi o mais clichê possível, destinou-se aos caça-níqueis. Abriu sua carteira, colocou o trevo sobre a maquina e a moeda de ouro no bolso.

Maçã-maçã-maçã.
– trim, trim, trim.

Moedas brotavam de uma pequena portinhola na maquina. A noite decorreu com seguintes e inusitados eventos contraditórios a leis matemáticas de probabilidade. Eike não percebeu, talvez anestesiado pela euforia de fazer fortuna em um cassino. Mas, alguém o espreitava. Com sorriso no olhar, pequenino, vestido de verde, um relógio antiquado, para padrões de sociedade, em mãos. O duende irlandês fitava Eike, com o sorriso sarcástico que era inerente a sua face carrancuda. Aparentando caçoar do futuro. A sorte o havia beijado, seu destino reescrito.

Pós Las Vegas Eike tornara-se homem de negócios. O garimpo o impulsionou. O homem com nome curioso alçava grandes vôos. Analistas não encontravam explicação. Tornou-se imperador no Brasil: O Grande Eike. Bem verdade que com certos privilégios. A maré era tamanha que denominaram com o nome do afotunado e todos a surfavam. Que seja belo enquanto dure. O vôo foi rápido demais. Eike, em curto período de tempo, encabeçava lista dos dez mais bilionários do planeta. O trevo de quatro folhas e a moeda seguiam na carteira de Eike, incompreensivelmente conservados pelo tempo. Ele os mantinha na carteira para não desafiar a sorte, embora não os julgava como preponderante nos negócios. Mas não fechava um contrato sequer sem possuí-los no bolso. Já fizera algo do tipo e misteriosamente o negocio não aflorou, permaneceu em um báratro inexplicável. O pequeno duende avistava tudo incrédulo, subestimara o real potencial de Eike. Perante os fatos decorrentes, havia desarmonizado os pólos da sorte. Eike a possuía em demasia. Um casamento perfeito. Era chegado o momento de retomar o amuleto.

Não havia lugar melhor para recobrar a sorte do que um ambiente em que se depende dela. Novamente Las Vegas.
Eike encontrava-se no poker. Sequencias reais desabrochavam nas mãos de Eike. Flush. Full-house. Eike quebrara a banca em duas mesas. Depenara seus concorrentes. Após destinar-se a terceira mesa, Eike observou que havia um anão na mesa. Riu com o canto da boca e sentou ao seu lado. O jogo se desvendou para dois jogadores: Eike e o suspeito anão. Demais jogadores abandonam a mesa. Era questão de honra limpar seu adversário. Nitidamente Eike esbanjava confiança e astucia. Altivo e atrevido em suas apostas. Um reflexo de sua vida em sociedade. Havia até batizado seu filho com nome de Deus, Thor, deus do trovão.
Uma jogada desmoronou o castelo do até então sortudo. Duas sequencias reais. O crupie desacreditou. Eike perplexo. Estava crente na vitoria. Páreo corrido. O anão sorriu, seus olhos brilharam. Eike o reconhecera, não havia como confundir tais olhos e vestimenta, tratava-se do duende irlandês. O ganhara com uma sequencia real alta, de dez a azes.

– Sorte – disse, inconfundivelmente o duende e sua voz aguda, sorrindo.
Eike não dera o trabalho de responder.

– Vim lhe cobrar algo que me pertence – prosseguiu o duende – lhe avisei, tenho visto que fizera bom proveito.

– Do que esta falando? – desconversou Eike

– Não se faça de sonso. O trevo e a moeda. – rispidamente disse o duende.
Eike acusou. Um torpedo lançado em suas estruturas. Finamente encontrara resposta e pergunta de outrora. Não fora sonho, o encontro na Irlanda fora real.

– Sem problemas, aqui esta – disse abrindo a carteira e avistando seus talismãs.

Inicialmente não os entregou. Manteve-se resistente em largar seus preciosos amuletos. Mas, confiante em seu potencial, os entregou.

– Não preciso deles, fiz fortuna independente deles.

– Todos dizem o mesmo…

Eike deu as costas para o duende e seguiu em suas andanças pelo cassino. Em uma noite perdera cifras colossais no poker, roleta e caça-níquel.
Era o começo do fim. O castelo de areia ruiu.

Na penumbra de uma mesa de canto encontrava-se o inconfundível algoz de Eike. Sua vestimenta formal, o clássico verde, sapatos brancos e o velho sorriso irônico estampado no rosto. O duende o espreitava. De camarote assistia a bancarrota do agora desventurado Eike.  Achava irônico como a sorte abandonava os até então afortunados sem cerimônia alguma. No caso de Eike, desventuras em serie estavam fadadas a acontecer. O trem descarrilou, o maquinista cego.

Eike retornou ao Brasil consternado. Jamais perdera tamanha quantia em tão curto período de tempo.

Um furacão financeiro abalava wall street, Eike no olho, sem prumo. Uma crise jamais vista, de enciumar 1929. O visionário brasileiro perdera controle de seu império. Ações despencando feito montanha russa.
Seu capital era menor que suas dividas. Foi expulso do clube de bilionários, sem cerimônia. Seu contracheque não correspondia aos demais.

Demorou para o estalo acordar Eike. E quando aconteceu, desejava voltar a sonhar e não viver o pesadelo financeiro que teimava em persegui-lo. Quando deu por si, não se encontrava na lista dos dez mais. Seu potencial administrativo questionado. Solução? Eike destinou-se a Irlanda. Por confusão e impaciência,  foi de classe econômica, feito sardinha enlatada.
A viajem o estraçalhou, e, no entanto, sequer pensou no hotel. Sua cabeça matutava o reencontro com o pequenino. Durante a longa e extenuante viajem, sonhou o reencontro. Percorreu as ruas de Dublin sem sucesso. Chegou a refazer o passo a passo da sinistra noite, sem sucesso. Não recordava como era o bosque e, a quem perguntava, não obtida a tão sonhada reposta.
A “caça” ao tesouro lhe deixara transtornado. O clima não lhe era favorável. As horas corriam.
O duende restringia-se a observar o desatino do agora desafortunado Eike. Brindando a normalidade do acaso.
Subitamente Eike deparou-se com um arbusto. Momentaneamente apenas o fitou. Arregalou os olhos e empalideceu. Seus sentidos enuviaram. O que recobrou sua memória foi o tão sonhado chacoalhar de galhos que recordara da fatídica noite.
Correu ofegante a seu encontro. Desta vez não usou de cerimônias, nada de gravetos para cutuca-lo. Logo o vasculhou. Nada encontrou.

– Bem vindo ao mundo real… – disse uma conhecida voz, causando agonia em Eike, aguda como recordava no primeiro encontro.

Eike tornara-se Batista. Amigos e familiares confidenciam que Eike tornou-se supersticioso. Uma cisma com dois amuletos que o mesmo jura ter no passado, mas ninguém recorda. É comum encontra-lo em briques, a procura de moedas com brasão jamais visto e em campos verdejantes esgravatando por trevos de quatro folhas.

Mais humano, menos Deus.