[Triiiiim]
– …
– …
– Estava demorando…
– Demorando o que?
– Adivinha quem pode ser?
– Ah, a Tia?
– Quem mais? No meu tempo almoço era sagrado…
– Pai, no seu tempo o Grêmio ainda era campeão.
– [Encara]
[Triiiiim]
– Que tal atender o telefone?
– Calma! To indo.
– Alo!
– Alo, Dudu?
– Sim, tia Cristina.
– Interrompi o almoço?
– Não!, capaz, tia.
– Que bom! Poderia me fazer um favor? Qualquer um de vocês, ate o maninho que não em carteira, ainda. Esse menino é um avião.
– Claro, diga!
– Passar aqui e me levar na igreja!
– Beleza, tia. No mesmo horário e no mesmo batcanal?!
– Hahahahaha, sim, Dudu.
– Fechado. Beijo, Tina.
– Tchau, Dudu, beijo.
– Levar ela na igreja, filho?
– Sim, pai.
– O que seriam de nossos almoços sem tua tia, hein?
– No mínimo, mais silenciosos…
[Horas depois]
– Olha a hora, Eduardo, esta atrasado para levar tua tia!
– Pô, Mãe! Hoje tem jogo da Champions.
– Teu irmão não tem carteira e os brigadianos estão atacando.
– Tá bom, tá bom…
– Não se esquece de levar o banquinho.
– ….
– Ouviu!?
– Ouvi mãe!
[Dirigi ate a casa da avó. Abre o portão. Xinga o cachorro. Entra no pátio. Desliga. Coloca banquinho no caroneiro. Ajuda. Fecha porta. Esbraveja com o cachorro que esta urinando na roda. Entra.]
– Oi, tina!
– Dudu, tudo bem?
– Mais tranquilo que água de poço. E tu tia?
– Hahahaha. Não posso reclamar.
[Liga. Acelera ate o portão. Desce. Encara o cachorro. Grita. Fecha o portão. Entra. Ufa! Dirigi ate a igreja.]
– Ai, Dudu, que carrão! Pena ser tão alto.
– Pois é.
– Mas me conta, como estão as aulas?
– Levando…
– E a matemática?
– Xiiiii…
– Dudu, não vai me dizer que estas penando?
– Tia… Cortejei a danada, mas não combinamos. Só você para entendê-la.
– Anos de convivência com o Rodrigo me serviram de alguma coisa, preste atenção: você trata a bola com carinho, certo?
– Claro.
– Então, na matemática é igual.
– Futebol e matemática?!
– Sim!
– Explica!
– Quando você joga, não a domina com jeito, esmero? Penteia-a? Toca de lado, nada de bico? A protege do adversário. Vinte e dois homens correndo atrás dela, mas poucos têm o deleite de tê-la.
– Tens razão…
– A metamatica é igual. Carece de afagos e mimos.
– Falando parece fácil. Precisa ter talento.
– Garanto que não é nenhum bicho de sete cabeças…
– É!, Quem sabe…
[Fim de percurso. Estaciona. Tira lasca do carro à frente. Suspira. Desliga. Desce. Ajusta o banquinho. Ajuda a descer do carro.]
– Tia, a partir de agora quero reatar com a matemática, nos darmos mais uma chance.
– Como você mesmo diz: nada de coraçãozinho, escanteio curto, futebol arte… Bem, você sabe, né?!
– Claro, tia! Aqui é matemática moleque, calculo e me voy. Seriedade.
– Ótimo, Dudu. Vou mediar essa relação. Amanha as três?
– Combinado.
– Espero-te.
[Entra na igreja, aceno]
Ps.: quando estamos almoçando e o telefone toca, subitamente lembramos de você, Tina. Inicialmente de maneira tristonha, pois trata-se apenas de uma recordação. Pós melancolia, recordamos nossos momentos felizes. Quem dera sua doce e melódica voz estivesse do outro lado da linha. Nossos almoços nunca mais foram os mesmos. Neste horário, o telefone não toca, lamenta sua ausência.
Ps.: neste revolto mar que é a vida, seu barco atracou. Tenho certeza que encontrou um porto seguro. Eu, Sigo velejando. Me deparando com monstros de sete cabeças, mas com clareza de que posso enfrenta-los. Lhe agradeço profundamente.
Ps.: seu neto esta lindo. Com pais maravilhosos.
Carta encaminhada ao céu.