O que esperar de uma terça-feira? Provavelmente nada. Terças-feiras não possuem nada de especial. Elas apenas respeitam sua ordem semanal. Você sabe, após a segunda, antes da quarta, vinte e quatro horas e etc. Mas, esta terça me reservou algo… Miraculoso, mágico. E eis onde reside o encantamento de nossa existência: a capacidade de sermos surpreendidos por fatos vindouros. Preferencialmente simples. E neste emaranhado de acasos, onde o destino tece sua teia, o danado me brindou. Surpreendentemente. Renovando a fé na humanidade por intermédio de uma criança.
Encontrava-me no ônibus, exausto. “Admirando” a espessa bruma de fritura que permeia a rodoviária. E, as minhas costas, um exótico dialogo prendeu minha atenção.
Uma garota, não saberei precisar a idade da pequena, sou péssimo neste quesito, tagarelando junto a sua mãe. A mãe, extenuada e pouco ligando para ponderações e perguntas da garotinha, a ignorava por completo. Confesso que até eu estava enfadado com tamanha fanfarronice. Quando:
– Mãe! Preciso fazer alguma atividade física!
– Atividade física? Pra que minha filha?
– Preciso!
– Precisa?!
– Sim! Atividade física é vida.
– Hum… Qual?
– Não sei. Judô, muay-thai, capoeira… Algo do tipo.
[silencio]
– Então, mãe?
– Luta? Na tua idade?
– Porque não? Estou na importante fase de crescimento.
– Sei. “fase de crescimento”.
– É! Meus hormônios precisam de estímulo.
– Hormônios? Hahaha.
– Sim, mãe! Eles são preguiçosos. A atividade física ativa eles. Igual acender uma lâmpada.
– Qual a ligação entre atividade física e lâmpada?
– Se ninguém acionar o interruptor a lâmpada segue apagada.
– …
– Mãe?
– Que foi minha filha?
– Não quero ser uma lâmpada apagada.
– Mas precisa ser logo luta? Porque não vôlei? Dança? Isso. Dança!
– Nnnnnão!
– Quer o que?
– Judô, muay-thai, capoeira, hapkido…
– Mas minha filha…
– Mãe, é importante ser fisicamente ativo.
– Conversaremos sobre isto em casa. Agora me deixa dormir.
De fato, a conversa cessou. Mas a menina seguia cantarolando e volta e meio chutava meu banco, quem sabe já estava treinando muay-thai? Ela poderia seguir a viajem inteira esmurrando meu banco, já não me importava. Sua atitude me comoveu. A sagacidade e seu poder de persuasão, contornando as negativas da mãe e apresentando provas cabais que justificavam sua teoria, impressionavam. E principalmente o desejo de praticar uma atividade física. Relevei o desprezo e preconceito da mãe junto ao universo das lutas. Estereótipo clássico. Menina dança e meninos jogam futebol. Menina não pode transpirar, ou sujar-se. A pequenina rompe barreiras. Com atitudes diz: basta aos preconceitos sociais e paradigmas preestabelecidos.
Dizem que a esperança é a ultima que morre. Pois bem, lhes aviso que ela segue viva. Ardendo. Não a abandone.
Além da iniciativa em querer praticar alguma atividade física por livre e espontânea vontade, me impressionou o fato da menina ter bons argumentos quanto ao porque de praticar atividade física. Em diversos momentos deixando a mãe em mais lençóis, visto que a menina estava completamente certa.
Vencemos essa batalha, menininha, não a guerra. Na sua casa, siga debatendo, não se de por vencida. Enquanto o gongo não soar haverá esperança.