O Barrense


Deixe um comentário

Mini mundo: DNA Daço

Minu Mundo coluna

Saudade. Essa palavra existe apenas na língua portuguesa e galega, serve para definir o sentimento de falta de alguém ou de algum lugar. A memória de algo que aconteceu e que dificilmente voltara a acontecer da forma como foi na oportunidade, pode-se definir por saudade. O que aconteceu na madrugada de domingo dificilmente voltara a acontecer na forma como foi. Mas e quando você não conheceu a pessoa e, inexplicavelmente, sente saudade? Saudade pelo que não foi vivido. Pelo que jamais acontecera. As areias do tempo correram (mais do que e como deviam) e afastaram meu avô, Edaci, do pequeno Eduardo.

Era um homem simples, o meu avô. Com seus vícios e virtudes. Casou, teve muitos filhos, e por meio destes pude conhece-lo. Estranho conhecer uma pessoa por meio de palavras. Cabe a você apenas imaginar. 

O conheci (bem, conheci não conhecendo) ainda pequeno. E só posso comprovar este fato por fotos. Não tenho uma recordação sequer. Vazio. O nada absoluto.

E como sinto saudades? Pelos causos. Os relatos. Meu avô é (sim, ainda é, pois a cada historia contada, acende em mim o chama de buscar o desconhecido, de saber o porquê sou assim) fascinante. Sabia de tudo um pouco. Fala-se de sua sabedoria mecânica. O dom da navegação. O deslumbre por tesouros. Estes dois últimos em especial me cativam. Sou todo ouvido quando surgem causos de suas aventuras náuticas ou do seu fascínio pelo ouro do tesouro da formiga. Entrego-me a estes assuntos, pois sou duplamente apaixonado por eles. Navegar é preciso disse o poeta. Meu pai conta da fúria da natureza contra a canoa que meu avô comandava. As ondas batendo contra o casco. As crianças, entre elas meu pai, acocoradas na proa do barco e na popa (parte de trás da embarcação), meu avô, altivo, o olhar perdido no horizonte, no comando do leme, guiando a canoa entre o revolto rio. Encontrando brechas e atalhos que só ele conhecia. Para no fim encontrar porto seguro, e quando necessário, recomeçar.
E quanto aos tesouros, bem, deve ser coisa hereditária, passada de pai para filho (meu pai também é apaixonado por tesouros). Quantas folhas de papel rabiscadas. Teorias e mais teorias. Seriam piratas? Os jesuítas? Ele apostava nos jesuítas. Meu pai aposta nos jesuítas. Eu aposto nos jesuítas. Apostas, apenas apostas.

Imagine como seria uma roda de conversa com ele? Temos tanto em comum. Comungamos das mesmas ideias. Os mesmos desejos. O gosto pela navegação (alias, isso é de família). Apenas imagino e lamento.

Neste emaranhado de características que caracterizam a personalidade de meu avô, falta-me algo substancial: o dom desbravador. Meu avô possuía a capacidade impar de lançar-se a aventuras. A navegação e caçadas ao tesouro eram constantes. Devia ser algo inerente a ele. A busca pelo novo. Ele era assim.

Na complexidade do DNA, não herdei um elemento primordial: o espírito aventureiro nato.

Sim. Nato. Porque são poucos os que aceitam o desconhecido. O inesperado. Querer todos querem, mas fazer é para poucos. Encarar a totalidade do mundo, a sua complexidade, e mesmo assim enfrenta-lo de peito aberto. Não imagino como ele fazia isso, apenas desejo a formula.

Sabe aquela ânsia de estar vivo? De sentir o sangue pulsando entre veias? É isso. A vontade de jogar tudo para o alto e velejar mundo afora. “Conhecer as manhas e as manhãs”, desbravar o mar como os antigos. Poucas coisas são mais imprevisíveis do que velejar. Quem navega não sabe o que vai encontrar, por quantas intempéries irá passar e, muitas vezes, nem para onde o destino o levará. Quanto mais se navega, mais coisas se aprende. Tempestades deixam de assustar, embora sempre haverá uma ou outra que gere medo, talvez pavor, sempre receio. O importante é nunca olhar pra trás. Sempre içar velas, sempre velejar.

Tenho o desejo de navegar o globo. Os sete mares. Tenho desejo de buscar tesouros. De sanar a duvida familiar se realmente eram os jesuítas. Tenho duvidas.

Um câncer abreviou sua vida. Acabou com o que deveria enriquecer minha experiência em vida. Beber direto da fonte dos meus anseios. Sanar meus questionamentos mais íntimos. Destilar minhas duvidas a quem possuía todas as respostas.

Mas os tempos são outros. As pessoas mudaram. E eu, bem, eu não sou meu avô.


9 Comentários

Tesouro do Morro da Formiga: O pescador que estudava cabalística

Texto original do site Popa. Crônica de Augusto Chagas.

Aproveitando o feriado de Nossa Senhora dos Navegantes, dia 2 de fevereiro de 1962, fomos até ao Pontal de Santo Antônio com o Guanabara Vodka. Os tripulantes eram: Danilo Assumpção, Roberto Teixeira (Barracuda ), Rudy Ahrons e Augusto Chagas.

Quando encostamos, dentro da alagada, no pontal, fomos ajudados por um pescador que estava acampado por lá. O que estranhamos foi que o camarada estava bem barbeado e falava português bem melhor que nós.
Naquele dia mesmo, o tempo foi virando e entrou uma frente sul que a gente não esperava. Com aquele vento não dava nem para pensar em sair de lá. Resolvemos ficar e, como havia um barco de pesca maior ancorado no Birú, fomos até lá pedir que quando chegassem a Tapes telefonassem para uma de nossas casas avisando que estávamos bem e que voltaríamos assim que desse (telefonada que não aconteceu).

Dois dias depois, chovendo ainda, começamos a pensar em voltar mas, para tanto, teríamos que bordejar contra o sul para vencer o pontal. Resolvemos consultar o pescador, que estava abrigado num telhado de santa fé que nem parede tinha, para saber se com aquele vento a gente poderia virar a ponta sem maiores problemas. Levamos uma pequena carta da Lagoa, ainda não existiam as cartas da Marinha e, uma Bússola Bezar, a única a bordo.

Augusto Chagas e amigos nas ruínas da capela do Morro da Formiga, nos anos 60

Augusto Chagas e amigos nas ruínas da capela do Morro da Formiga, nos anos 60

Tínhamos comentado muito sobre esse pescador, tão estranho na sua maneira de se comportar. Chegados ao abrigo, chovendo, nos convidou para entrar e sentar. Ele estava lendo um grosso volume e o único móvel que tinha era um baú de madeira. Sentamos no chão de areia e expusemos a nossa dúvida. Para nossa surpresa e para aumentar as nossas suspeitas ele colocou a carta no chão, pos a bússola em cima e orientou a carta. Pela direção e intensidade do vento ele achou melhor que esperássemos mais um pouco porque a direção do vento estava começando a mudar.
Ali ficamos tentando puxar conversa para descobrir alguma coisa do personagem. Deu para ver que o livro que estava lendo era um tratado sobre sinais cabalísticos, em espanhol.

Conversa vai, conversa vem, ele acabou contando sua história, começada assim: “Vejam o que a ganância faz com as pessoas, eu sou paulista e era um grande numismata e filatelista. Um dia numa viagem à Espanha vi uns documentos que falavam de um tesouro deixado pelos jesuítas nas margens da Lagoa dos Patos. Nas minhas primeiras férias vim ao Rio Grande do Sul e, depois de muitas pesquisas, fui parar no Morro da Formiga onde havia uma capela feita pelos jesuítas. (na primeira vez que estive nesse local, lá por 1949 ainda existiam as quatro paredes desta capela).
Na vila de pescadores que havia na Praia do Sítio conheci uma senhora cujo pai tinha ido trabalhar para um padre no Morro da Formiga. Este senhor, quando voltou para casa alguns dias depois estava muito assustado, falando que havia visto coisas muito valiosas e que havia prometido sob juramento ao padre não contar para ninguém. Poucos dias depois foi mandado chamar pelo padre e nunca mais foi visto.

Neste primeiro ano que estive no Morro da Formiga encontrei indícios de que alguma coisa havia de verdade na história do tesouro. De volta a São Paulo continuei a pesquisar e descobri que naquela zona havia tido uma Missão Jesuítica que era justamente aquela encarregada de levar os bens havidos no Brasil para a Europa e que, quando da expulsão dos jesuítas, eles não tiveram tempo de embarcar tudo o que tinham. Deixaram escondido ouro e pedras preciosas para depois buscar e deixaram sinais para que pudesse ser encontrado por quem soubesse interpretá-los.
Nas minhas segundas férias vim novamente e comecei a busca, agora com mais conhecimento. Encontrei, gravado em pedras, sinais cabalísticos que muitas vezes se completavam como, uma cara sem olhos e noutros lugares dois olhos. Havia desenhos de ondas com peixes e outros só de ondas ou só de peixes. Durante esse mês fiz um mapa de tudo o que encontrei e no fim tive que voltar para casa.

Nesse ano que se seguiu continuei a pesquisar e me especializar em sinais cabalísticos. Minha obsessão pelo tesouro me levou à conclusão de que se eu realmente desejava encontrar alguma coisa eu tinha que ficar por lá até dar certo. Com esse pensamento vendi as minhas coleções de selos e moedas, me desfiz de outros bens e vim morar no Morro da Formiga (foto abaixo).

praia-leste_mo-formiga_geraldo-knippling

Quando aqui cheguei e comecei a estudar aquela infinidade de sinais, me dei conta que era uma coisa muito inteligente e que eu acabaria descobrindo o código deixado. O problema que eu senti era que, de repente, alguém com mais sorte pudesse encontrar antes de mim. A solução que encontrei foi marcar num mapa, com todo o cuidado, a posição e o desenho que tinham nas pedras e dinamita-las depois. Era voz corrente nas cercanias que um louco andava dinamitando pedras para ver se encontrava um tesouro debaixo.
Nesses anos todos em que estou aqui, acabei gastando todo o meu dinheiro e tive que começar a pescar para viver. Pesco o mínimo possível para perder o mínimo de tempo com isso e continuo a minha busca pois, cada vez chego mais perto…”

O nome desse senhor é Jorge Lima. Nunca mais o vimos ou ouvimos falar dele.
A capela com o tempo foi totalmente destruída ficando no seu local uma cratera. Vários grupos estiveram nessa busca inclusive com derrocadoras pneumáticas e outras máquinas para remover pedras e escavar. Que eu saiba nunca foi encontrado nada.

Nossa velejada de volta foi sensacional, mestra rizada até a cruzeta, bujinha de temporal na proa, asa de pomba com o croque servindo de pau de espinaquer, bolina quase toda até em cima e, um jacaré depois do outro, sem parar, até Itapuã.
___________
Foto em preto & branco: Augusto Chagas; Foto aérea: Geraldo Knippling